Ataque acontece principalmente devido à perda do medo, sugere analista ambiental
 
Paulo Roberto Amaral

“O ataque aconteceu principalmente devido à perda do medo, a essa habituação com o ser humano”, sugere o analista ambiental do CENAP (Centro Nacional de Pesquisa e Conservação dos Mamíferos Carnívoros) e especialista em casos de ataques de carnívoros silvestres, Rogério Cunha de Paula.

Ele fala sobre dois casos comprovados de ataques de onça-pintada a seres humanos que aconteceram no Pantanal, em 2008 e 2010. No primeiro, houve uma vítima fatal, um pescador profissional de 20 anos, que acampava na margem do rio Paraguai, no munícipio de Cáceres, Mato Grosso.

Margem do rio Paraguai, local onde o ataque ocorreu

Como chegou a informação pra você sobre um ataque fatal de onça-pintada a uma pessoa?
Rogério: A informação chegou em duas ligações simultâneas. Através de um analista ambiental, o Daniel, que trabalha em Cáceres e de um repórter. As Informações eram desencontradas. Em todos esses anos de trabalho não havia um registro de ataque de onça-pintada a humanos levando à morte. Procurei fazer uma apuração primeiro, pra ver o que indicaria a verdade.

O que você viu lá?
Rogério: A situação estava em clima de guerra. Uma nossa colega havia dito que o ataque era um boato, que era inviável acontecer de uma onça-pintada matar uma pessoa, e isso foi muito negativo. Havia um misto de revolta, tristeza, choque. E eu tinha de entrevistar as pessoas que tinham acompanhado os acontecimentos e sido testemunhas, pessoas que eram amigos e parentes da vítima.

Quando eu cheguei lá, estavam me aguardando pra eu participar da necrópsia, para atestar se era mesmo um ataque de onça. O pai havia visto a onça carregando a vítima, mas não havia ainda a confirmação de ter sido um ataque. No fim nós confirmamos que foi uma onça que matou o rapaz.

Qual a avaliação você fez daquilo que você viu no local e o que você acredita que aconteceu?
Rogério: Durante a necrópsia, eu pude constatar o ataque violento da onça. Pescoço quebrado, mordidas...

No momento em que eu cheguei lá muita coisa já havia sido recolhida, o cenário não estava como no momento do ataque. As observações mostraram que foi um animal adulto, um macho com mais de 100 quilos, que matou o rapaz na barraca e o arrastou para o interior da mata, se distanciando do rio. Na área eu encontrei muitas marcas, arranhões em árvores, fezes na barranca do rio, muitas pegadas ao redor do acampamento. Isso levou a gente a sugerir como uma das possíveis causas do acidente uma defesa territorial, uma provocação do ser humano àquela onça.

Corpo do rapaz atacado por uma onça em Cáceres, Mato Grosso
Acampamento destruído pela onça quando atacou o rapaz em 2008, em Cáceres, MT

Por que esse ataque aconteceu e qual a avaliação final você faz desse acontecimento?
Rogério: Entre várias hipóteses que foram levantadas, disseram que era uma fêmea que matou pra levar comida para os filhotes. Isso não procede. Depois as pessoas assumiram essa informação que foi repassada pela imprensa: que foi uma mãe que matou para alimentar os filhotes. E a causa, pra mim, nunca foi um ataque para alimentação. A onça-pintada não tem o costume de comer o ser humano, principalmente naquela região que tem comida farta, jacarés, capivaras.

Uma outra possibilidade que foi sugerida foi o conflito territorial. A gente sabe que algumas áreas são usadas de forma intensiva por algumas onças. É o que a gente chama de “território” do animal. E muitas pessoas que eu entrevistei disseram que já haviam alertado o pai e o filho sobre a onça que ficava ali, e eles levavam isso como uma coisa normal. Eles diziam que a onça era o mascote deles, era protetora deles. A onça observou que não havia perigo nenhum, ela perdeu o medo e atacou o rapaz. Outra hipótese que a gente levantou foi relacionada à questão das cevas.

O que é ceva?
Rogério: A ceva é a alimentação forçada, é colocar comida num determinado local, para um determinado animal, forçando que aquele bicho esteja lá para fins turísticos.. Naquela região a gente começou a observar a existência de cevas pra atração turística. Os pescadores e os pilotos de barco que levam os pescadores perceberam que os turistas gostavam de ver as onças e davam uma gorjeta quando viam, então eles começaram a garantir, por causa da caixinha, a observação de onças. E essa garantia só dava pra dar com essa ceva. Aquela era uma onça cevada, uma onça que perdeu o medo do ser humano, por ser alimentada constantemente pelos pescadores. A gente trabalha com essas duas hipóteses, mas, qualquer uma delas, deve-se principalmente à perda do medo, a essa habituação com o ser humano.

Em 2010, uma onça-pintada pulou da barranca pra dentro de um barco de pescadores, perto de Cáceres. Mas a causa provavelmente foi que ela estava esperando que dessem comida, a “ceva”, pra ela. Dessa vez, um rapaz que estava pescando terminou com muitos arranhões no corpo, quando os dois caíram na água.

Onça-pintada sendo atraída por uma “ceva”, um peixe pendurado numa linha